Bartenders em Casa - Victoria Quandt Valentim

Escrito por Victoria Quandt Valentim

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Meu nome é Victoria, tenho 24 anos, 2 anos de balcão e um pouco mais de A&B. Entrei no mundão da hospitalidade em 2016 e desde então não saí mais, passei por vários tipos de bares e restaurantes, os mais recentes sendo os 3 balcões de um Hotel fantástico com uma equipe All Star.
Adoro descobrir como as coisas funcionam, além de coquetelaria, que estudei na Barones Bartenders e na ABS (Associação Brasileira de Sommeliers), sou formada em comunicação e sempre que possível estudo sobre plantas, frutas, sabores e as pessoas que tornam a hospitalidade real. Costumo escrever sobre coquetéis, produção de insumos, sabores e porque são como são no Instagram @delinquandt e vai ser um prazer compartilhar isso com vocês.

Sabor na medida: as escalas do mundo do álcool

Explicando as medidas do bar, além de ml e oz.

Por vezes o bebedor exigente se depara com medidas e unidades incomuns, além dos quase 60 (59,1471 para ser exato) mililitros que compõem as 2 oz, onças americanas, de uma dose. É comum encontrar além de ml e oz, ingredientes medidos em centilitros, copos de shot, xícaras ou simplesmente copos; porém antes de quebrar a cabeça e sacar a calculadora, encare as medidas como indicadores de proporção, ou a famosa medida de partes que descreve o Negroni como 3 partes iguais de vermute doce, gin e aperitivo italiano, onde o tamanho destas partes depende de quão grande deve ser o coquetel.

Não apenas os ingredientes são medidos em escalas: a quantidade de álcool das bebidas é medida pela escala Gay Lussac. Criada pelo médico homônimo, esta escala considera ausência total de álcool (água) como 0% álcool por volume e álcool puro como 100%, e assim calcula quantos mililitros de álcool absoluto existem em 100 mililitros de mistura hidroalcoólica ou seja de água e álcool. A exemplo, se a garrafa marca 5°GL, por exemplo, indica que há 5% de álcool na bebida. Antes da Escala Gay Lussac, era comum na Inglaterra medieval marcar bebidas alcoólicas com "X", indicando que este barril tinha graduação alcoólica maior que o permitido e fora taxado em 10 (X em numerais romanos) shillings; todavia hoje essa marcação indica a potência alcoólica de cervejas: quanto mais "X", maior a potência alcoólica da cerveja.

ency 79 imageEscala Lovibond Fonte thewestcoastbrewer.com

Quando falamos de cervejas, a quantidade de escalas aumenta: temos a escala Lovibond, que classifica por meio de uma escala de cor com a ajuda de um "tintômetro". Ela mede a quantidade, qualidade e torra do malte usado, sendo aplicada a whiskies também.
A escala IBU, sigla para unidade internacional de amargor, é a escala que mede o amargor das cervejas. A IBU usa medidas químicas para contabilizar a quantidade de compostos amargos, começando de 0 (nenhum amargor) e se estendendo ao infinito, sendo que a maior parte das cervejas varia entre 5 IBU (amargor muito baixo) e 120 IBU (amargor muito alto), existe documentação de raras cervejas com mais de 1000 IBU.

ency 68 imageEscala IBU. Fonte drtankstein.com

Existem também escalas usadas para controle da fermentação, processo que torna a cerveja alcoólica. A mais antiga é a escala Balling, que passou por correções do Matemático Adolf Brix e resultou na escala Brix; estas escalas diferem em alguns detalhes, mas essencialmente calculam a quantidade de açúcar por grama de solução. Destas escalas, a mais popular é a Brix, muito utilizada por fabricantes de vinho.

Outra escala de grande influência no mundo dos sabores é a escala de PH, que mede a acidez de uma solução, como por exemplo quão azedo um Daiquiri pode ser. Esta escala vai de 0 a 14; 7 é seu ponto neutro. Quanto menor a graduação, mais ácida é a solução. Um suco de tomate costuma variar entre pH= 2,5 a 3,5. Com essa escala e um medidor de ph torna-se mais fácil manter um padrão na produção de bares, garantindo sucos e coquetéis sempre equilibrados e agradáveis.

ency 92 imageEscala de pH. Fonte mundoeducação.uol.com.br

Apesar de serem usadas com maior frequência pela indústria de fabricantes de bebidas, estas escalas categorizam e trazem informações sobre destilados, fermentados e insumos cotidianos da coquetelaria e são grandes aliadas do consumo consciente, seja por bartenders ou bebedores exigentes, preocupados com seu bem-estar e experiência, afinal a saúde deve sempre ser priorizada.

Allspice, o sabor do novo mundo

Caribe, século 15. Colonizadores espanhóis chegam ao novo mundo e encontram terra habitada e cheia de novos temperos e especiarias que os nativos das Antilhas e América Central Tropical lhes apresentaram, dentre elas a Pimenta dioica. Essa pequena baga parecia ser a pimenta que eles buscavam, acrescentando calor e sabor à comida e ao chocolate nativo. Sob o nome de Pimenta ela foi levada à Europa, onde foi rebatizada em inglês como Pimento.

Seu gosto pungente lhe rendeu a alcunha de Allspice ("todas especiarias" em tradução livre), por lembrar um composto de especiarias populares como canela, noz-moscada e cravo-da-índia, com quem partilha o óleo aromático eugenol, responsável por seu aroma encantador.
Com o passar dos anos, sua popularidade apenas se intensificou e tornou-se uma madeira popular para fabricação de bengalas e guarda-chuvas, acessórios imprescindíveis da moda vitoriana, obrigando o governo jamaicano a proibir a exportação de sua madeira que beirava a extinção.

Conhecida no Brasil como Pimenta-da-Jamaica, a Pimenta dioica é uma das especiarias mais intrigantes que se tem notícia, desde seu cultivo quase exclusivo na Jamaica até seu uso aclamado na culinária e coquetelaria Tiki, onde é encontrada no licor Pimento Dram, raramente disponível no Brasil, o que leva muitos bartenders a fabricarem seu próprio licor artesanal, por meio da maceração das bagas desidratadas ou em pó em álcool e adição de açúcar. Outra alternativa para seu consumo é o xarope artesanal:
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Esta receita concentra o sabor do allspice e traz complexidade ao preparo de coquetéis ou, sua versão sem álcool, mocktails, como por exemplo um expresso tônica, tão versátil quanto a Pimienta dioica.

Fontes:
Amy Stewart - The Drunken Botanist
Jill Norman - Ervas e Especiarias
https://www.thespruceeats.com/profile-of-pimento-dram-760260

Gingim por gingim: o que tem na garrafa?

Entenda qual é o melhor gin para seu gin & tônica, Gimlet, Dry Martini e outras alegrias líquidas.

Nos últimos anos, pode-se observar o boom do gin no Brasil. "Me vê um gin!" é o pedido mais escutado em dias de festa e cada bar tem seu gin & tônica especial. No entanto, o gin é muito mais do que apenas o acompanhante da tônica.

A história começa durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), quando soldados ingleses conheceram a "coragem holandesa" ou Jenever, um destilado holandês a base de malte com adição de zimbro, responsável por encorajar - ou enlouquecer - os soldados holandeses em campo de batalha. Após a guerra, os ingleses voltaram à sua ilha e ali começaram a destilar algo muito parecido. Assim começa a longa história dos gins.

A princípio, gin é um destilado neutro (como uma vodka) saborizado com zimbro e outros botânicos naturais ou "idênticos ao naturais", com no mínimo 37,5% de álcool e sabor predominante de zimbro. O zimbro (Juniperus communis) é uma baga pequena de cor escura quando seca, com aroma amadeirado, levemente agridoce e seu sabor é refrescante e adocicado, com notas de pinho e resina. Porém, não existe apenas um tipo de gin. Ao buscar receitas é possível se deparar com suas variedades e diferentes estilos, como por exemplo:

London Dry gin: apesar do London no nome, este tipo de gin pode ser fabricado em qualquer parte do mundo, inclusive no Brasil. Ele é feito por meio da redestilação de álcool neutro com zimbro e demais botânicos em alambiques tradicionais, sem adição de outros ingredientes, como flavorizantes e aromatizantes e como indica o nome, é um gin seco.

Distilled gin ou Gin destilado: assim como o London Dry ,é redestilado com zimbro e botânicos, porém pode haver adição de flavorizantes e não há graduação alcoólica mínima.

Old Tom gin: É um tipo de gin inglês adoçado, geralmente com alcaçuz e açúcar. Surgiu para burlar o Ato do Gin de 1736, que taxava a bebida e seus produtores visando combater seu consumo. A resposta do povo foi se voltar aos contrabandistas que vendiam gin por portas com gatos estilizados, cujas garras afiadas eram associadas ao sabor (e efeito) afiado e ardente do gin.

Cold Coumponded ou Composto: gin que pode ter a adição posterior de flavorizantes, mas não necessariamente de botânicos. Como exemplo, temos os pink gins, com maceração de frutas vermelhas e aroma predominante de zimbro.

Plymouth gin: similar ao London Dry, porém só pode ser produzido na cidade de Plymouth na Inglaterra. Por muitos anos foi estilo de gin oficial da Frota Real Inglesa. Atualmente existe apenas uma marca, homônima.

Mahón gin: Produzido na ilha de Menorca (Espanha), tem como álcool base o vinho destilado, que após retificação com zimbro e botânicos, se torna o gin Mahón.

Sloe gin: o gin que não é gin! Sloe gin é na verdade um licor a base de gin feito com sloe berries, frutos do abrunheiro, muito populares na Inglaterra. Recém chegado no Brasil, o sloe gin tem teor alcoólico de no mínimo 25%, sabor doce e ácido.

Cada estilo tem suas características, teor alcoólico e sabores, podendo variar de acordo com a receita de cada marca. Portanto, é necessária atenção na hora de escolher o gin para seu coquetel, afinal um Old Tom gin pode ser uma escolha fantástica para um Tom Collins ou uma decisão duvidosa para um Gibson.

FONTES:
Amy Stewart - The Drunken Botanist
Jill Norman - Ervas e Especiarias
Diageobaracademy.com
Bythedutch.com
Mahongin.com
Difford's Guide Brasil
Flaviar.com

Um breve manual do Zingiber Officinale

História, usos e coquetéis com gengibre.

Com mais de 3 mil anos de uso pela espécie humana, este peculiar rizoma é um dos sabores mais amados da coquetelaria, estrelando em clássicos e autorais no mundo todo.

Cultivado no Sul da Índia e da China, o gengibre popularizou-se pela Ásia e África Ocidental, chegando a Europa no século 1 , trazido da Índia pelos romanos. O nome tem origem no Sânscrito “srngaveram”, que significa forma de chifre devido ao aspecto do gengibre in natura.

Conhecido antigo do nosso paladar, o gengibre é lembrado como um alívio para indigestão e males estomacais como bem sabia a antiga medicina tradicional chinesa. Celebrado na culinária mundo afora, da cozinha Indiana à Portuguesa, na coquetelaria não é diferente: encontramos o gengibre e seus sabores nas mais variadas formas.

Alguns fatores que impactam o sabor do gengibre (e o tornam tão popular) são sua colheita, cultivo e armazenamento. Cultivar o gengibre na sombra gera rizomas mais cítricos do que os que crescem expostos ao sol; já os gengibres mais jovens são mais suaves e o melhor momento para colhê-los é aos 9 meses, no ápice da produção do seu saboroso óleo, rico em Zingibereno, um dos compostos essenciais do gengibre.
Uma das características mais marcantes do gengibre é sensação de calor, cortesia de três compostos químicos encontrados neste rizoma: Zingerone, Gingerol e 6-shogaol. O gingerol, encontrado no gengibre fresco, gera 6-shogaol ao ser desidratado, mais pungente e ardido. O Zingerone por sua vez é encontrado no gengibre cozido, mais doce.

O gengibre fresco foi um ingrediente celébre no começo da década de 2000, com aroma refrescante, cítrico e amadeirado, subtons doces e seu sabor picante e ardido. Ajuda a equilibrar sabores oleosos, agrega frescor e sua picância ressalta sabores mais discretos. Uma ótima pedida com gengibre fresco é o coquetel Easy Tiger (você encontra a receita aqui mesmo no Difford's Guide).

Ao cozinhar o gengibre observa-se um sabor adocicado e o resultado é um chá suave e cítrico . Uma forma de experimentar estes sabores é adicionar algumas fatias de gengibre ao Hot Toddy tradicional. Na água quente, o gengibre fresco é lentamente cozido e seu chá se incorpora ao coquetel.

Quando desidratado, o gengibre se torna menos aromático e seu sabor mais picante e ardido e a textura fibrosa. Do rizoma seco é feito o pó de gengibre, disponível em mercados comuns. Todavia, o pó é mais saboroso quando ralado na hora. Esse tempero enriquece muito o suco de tomate (de um Bloody Mary, por exemplo), tornando-o mais complexo e saboroso.

Outra forma de saborear o gengibre são os licores, ainda raros no Brasil. Trazem o "zing" de novos clássicos, caso do Penicillin, porém a engenhosidade brasileira faz valer sua fama apresentando versões de Penicillin com licores artesanais ou mais frequentemente xaropes (industriais e artesanais).

A mesma fórmula se aplica quando se trata da Ginger Beer, o fermentado de gengibre, e sua meia-irmã Ginger Ale, o refrigerante de gengibre. Mixers frequentes da coquetelaria clássica, demoraram a chegar no Brasil, tornando a execução de Mamie Taylors, Shirley Temples e Moscow Mules no mínimo desafiadora, o que levou ao surgimento do Moscow Mule brasileiro, com a inovadora espuma de gengibre (creditada a Marcelo Serrano, 2009).

Para brindar em casa fica uma receita de xarope de gengibre caseiro:

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Esse xarope dura até uma semana na geladeira e serve para vários tipos de coquetel, como uma releitura de Daiquiri, por exemplo.

Entre copos e pratos, se o tema é Zingiber Officinale, pode ser conserva, refrigerante, aperitivo ou coquetel, só não vale ficar sem esse sabor milenar!

FONTES:
Jill Norman - Ervas e Especiarias
Amy Stewart - Drunken Botanist
Etymonline.com
Sanjeevkapoor.com
Vegetablefacts.net
Honestly-good.co

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