Amari Club 2019: uma jornada pela Itália

Escrito por Marcelo Sant'Iago

Fotos por Marcelo Sant'Iago

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A convite da Campari, tive o privilégio de participar do Amari Club 2019, uma jornada de descobrimento e experiências que me levou, junto a um grupo de mais de 20 bartenders, do sul ao norte da Itália para visitar suas 3 destilarias de amaro: Averna, Braulio, Cynar. Acompanhe como foi.

(antes de mais nada, um esclarecimento gramatical da língua italiana: 1 amaro, 2 amari. Assim como 1 cannolo, 2 cannoli)

O Amari Club chegou à sua terceira edição em outubro de 2019 e, mais uma vez, reuniu um grupo seleto de bartenders do mundo todo ( fui o único não bartender a participar) para vivenciar momentos únicos na Itália. Do Brasil estava também Ricardo "Puma" Fuenzalida.

Começando no extremo sul, em Palermo, capital da Sicília, chegamos ao norte do país, em Bormio, nos Alpes, e terminamos na sofisticada Milão.

Foi uma semana muito intensa, de descobertas e novas experiências, que despertaram em mim uma enorme paixão pelos amari.

Antes de mergulhar nos detalhes da viagem, vale dizer que as receitas dos amari são todas guardadas a sete-chaves, bem como seu processo de fabricação. Apenas pouquíssimas pessoas tem o conhecimento total dos ingredientes, suas proporções e do processo completo de fabricação. Por isso, fotos nas destilarias são terminantemente proibidas.

As marcas conservam um laço familiar e histórico muito forte, mesmo fazendo parte de um grupo global como a Campari. Braulio ainda tem como master blender uma pessoa da família fundadora. Assim como Averna, ainda é produzido na mesma fábrica do século XIX, quando ambas ainda eram chamadas de elixir, pois tinham fins medicinais. Apenas Cynar nasceu no século XX, já para consumo em momentos de lazer.

INTRODUÇÃO À CATEGORIA DOS AMARI

Logo em nossa chegada, tivemos uma aula com o especialista italiano e autor Fulvio Piccinino, onde aprendemos que a história dos amari começa na Idade Média. Eles são um tipo de licor que eram conhecidos como Elixir, onde um dos ingredientes, normalmente amargo, possui fins medicinais e dá “vida” à bebida.

Fatores climáticos, históricos, religiosos e políticos da Itália criaram as condições perfeitas para o desenvolvimento da categoria, segundo Fulvio, que apresentou extensa bibliografia sobre o assunto.

Ao passarmos pelas 3 destilarias, em diferentes regiões e climas da Itália, fica claro o impacto sobre o produto final.

Na Itália, a coisa é levada tão a sério que existe uma lei normatizando o quanto de amaro deve ser servido no copo: entre 30 a 40 ml, dependendo do seu teor alcoólico.

COMO FORAM AS VISITAS

AVERNA

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Começamos nossa jornada pela ensolarada Palermo, na Sicília. Uma cidade cheia de história e contrastes. Até hoje você encontra pelas ruas placas escritas em 3 línguas: hebreu, árabe e italiano.

A duas horas e meia de ônibus de Palermo, encravada nas montanhas, está a pequena Caltanissetta, berço de Averna e nossa primeira parada.

Averna era uma bem-sucedida família que atuava no ramo têxtil. Seu patriarca, Salvatore, graças ao sucesso dos negócios, contribuía generosamente para a comunidade e para a Abadia Di Santo Spirito, congregação beneditina da região.

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Abadia Di Santo Spirito

Em meados do século XIX, Fra Girólamo, líder da congregação capuchinha, decidiu então, em reconhecimento, oferecer a Don Salvatore a receita do elixir criado com ervas cultivadas no jardim da abadia. O líquido passou então a ser produzido para deleite dos parentes e amigos da família. Com o passar dos anos, o produto começou a ganhar fama, conquistou premiações importantes e acabou por tornar-se o meio de vida da família Averna: em 1868, um antigo convento, que havia sido transformado em casa de veraneio da família, passou então a ser o centro de produção do Amaro Averna.

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Vista externa da destilaria. À esquerda, o antigo convento e residência da família, aonde é produzido Averna até hoje

Em 1895, o elixir Averna recebeu o selo real como fornecedor da corte italiana, outorgado pelo rei Umberto I e a rainha Margarita (sim, a mesma da pizza). Ele pode ser visto no pequeno museu da fábrica em Caltanissetta.

Até hoje, mesmo após a aquisição pela Campari em 2014, o produto é feito ali, mantendo suas tradições, processo original de infusão de botânicos e, claro, a mesma receita secreta cedida pelos beneditinos.

Nosso anfitrião, Piero Fici, master blender de Averna, contou-nos que, com a morte de Francesco Averna, filho de Salvatore, foi sua esposa Anna Maria a grande responsável por assumir os negócios e liderar a expansão da marca. Hoje, Averna é o amaro mais vendido na Itália e um dos mais populares do mundo.

Piero, aliás, é o responsável pela edição Limitada Don Salvatore, criada para a comemoração de 150 anos de Averna, que é envelhecida em pequenos barris de carvalho por 18 meses.

Para completar nossa visita à Caltanisseta, tivemos uma experiência olfativa com o brilhante perfumista Meo Fusciuni. Ele nos recebeu no jardim da Abadia Di Santo Spirito, onde nasceu Averna. Foi um momento mágico. Meo nos guiou por uma jornada quase espiritual pelos aromas da Sicília, algo que guardarei na memória para sempre!

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O incrível Meo Fusciuni

Clique e veja as notas de degustação de Averna por Simon Difford.

Clique e veja as notas de degustação de Averna Don Salvatore por Simon Difford.

BRÀULIO

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Após a Sicília, a próxima parada foi os Alpes italianos. Um contraste maravilhoso!

Chegamos a Bormio tarde da noite, após um dia longo de viagem de avião entre Palermo e Milão e algumas horas de ônibus. Saímos de um calor de 30 graus, para o frio das montanhas, a 1.200 metros acima do nível do mar. Mas, um reconfortante jantar nos esperava, seguido de nosso primeiro contato com Bràulio.

A grande surpresa veio no dia seguinte, ao abrir a janela do quarto e apreciar o vale e as montanhas já nevadas. Inspirador para as experiências que estavam por vir.

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Vista do meu quarto, 7 da manhã, com Bormio e os Alpes ao fundo

A missão do dia: encarar uma trilha pelas montanhas cobertas de neve em busca dos botânicos que compõem a fórmula de Braulio. Mas, para combater o frio, na noite anterior, cada um de nós foi presenteado com um belíssimo casaco apropriado para as baixas temperaturas da região.

Casaco novo, meias de lã, fleece, duas camadas de roupas, café da manhã tomado. Tudo pronto para embarcar no transporte que nos levaria ao início da trilha.

Confesso que, para um sedentário como eu, os primeiros 15 minutos de subida foram excruciantes. Mas, a bela paisagem, o incentivo do grupo e, principalmente, a adrenalina por estar fazendo algo totalmente diferente ajudaram em minha adaptação.

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Foto por @bartourist

Acompanhados por um par de guias, pudemos experimentar folhas, bagas, raízes e pequenos frutos típicos da região, os mesmos encontrados no monte Bràulio, que dá nome ao famoso amaro alpino de Bormio, e que fazem parte de sua fórmula. Que é secreta, claro.

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Foto por @bartourist

Ao final da caminhada, a recompensa: um típico almoço alpino (polenta, carnes, embutidos) com vista deslumbrante, seguido de Braulio, claro.

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Cansei, mas cheguei!

Na parte da tarde, descemos para a cidade onde fica a destilaria da família Peloni, fundada no século XIX. Nosso guia foi o próprio Edo Peloni e pudemos acompanhar todo o processo de produção, que começou em 1875. Mas, o químico e herbalista Francesco Peloni criou a receita já em 1826. Ela leva 13 botânicos, incluindo genciana, zimbro, hortelã-pimenta, anis estrelado, losna, laranja amarga e achillea.

O final da visita revelou uma das partes mais interessantes da história do produto: como a maioria dos amari, Bràulio nasceu como um elixir medicinal. Ele estava disponível apenas na farmácia de Francesco Peloni, localizada bem no centro da cidade, na rua onde hoje é a destilaria. Com o tempo, os Peloni decidiram fornecer a outras farmácias e, para facilitar transporte e ganhar mais espaço de armazenamento (Bràulio é o único amaro do mundo a ser envelhecido 24 meses em barris de carvalho europeu, da Eslovênia), a família começou a adquirir espaços nas adegas dos imóveis vizinhos e criou uma série de túneis subterrâneos para o transporte.

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Barris de Bràulio, criados pela família Garbellotto

Outra curiosidade: os barris são fornecidos pela mesma família de tanoeiros há mais de 100 anos. Os Garbellotto têm mais de 240 anos de experiência e pudemos ver uma demonstração de como se monta um barril no pátio da destilaria.

Clique e veja as notas de degustação de Bràulio por Simon Difford.

CYNAR

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Foto por Santiago Ortiz
A última escala do Amari Club 2019 foi na elegante e cosmopolita Milão, para uma visita à destilaria de Cynar.

Antes, uma parada na Villa Campari para uma apresentação sobre amari e Cynar, feita pelo master blender, Bruno Malavasi, seguida de leve almoço.

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Após a refeição, uma surpresa: fomos convidados a subir para a Campari Academy onde seria realizado um desafio de coquetelaria. Mas antes, uma bela palestra de Rich Woods, sócio do premiado bar Scout, de Londres, sobre aprender com os próprios erros e fracassos.

Para o desafio, fomos divididos em grupos e cada um teve que criar um coquetel com Cynar inspirado na arte de quatro tatuadores locais, cada um com estilo diferente. Imagine colocar 6 bartenders juntos tendo que decidir por uma receita. Foi um exercício bem interessante de trabalho em grupo e como deixar o ego de lado.

Em cada cidade visitada tivemos uma surpresa relacionada com a região: em Palermo, foi um passeio de “tuk tuk” pelas ruas, vielas e mercados da cidade; em Bormio, a experiência nas montanhas. Em Milão, não poderia ser diferente: um elegante jantar com um menu degustação de 13 tempos, harmonizado com coquetéis de Cynar.

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Menu harmonizado no restaurante Contraste e coquetéis por Rich Woods, do bar Scout, de Londres

No dia seguinte, partimos para a visita à destilaria, que fica em Novi Ligure. A diferença em relação às outras é visível logo na chegada: a planta é enorme e tivemos que utilizar roupas descartáveis para evitar contaminação.

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Foto por Santiago Ortíz

Nosso guia, como nas outras cidades, foi o master blender da marca, neste caso Bruno Malavasi. A escala de produção é bem maior, pois trata-se de um produto com distribuição global. O “aperitivo a base de alcachofra”, como dizia a popular campanha da marca no Brasil, leva na verdade outros 12 botânicos.

Criado pelo empreendedor e filantropo veneziano Angello Dalla Molle, Cynar foi lançado em 1952. Seu nome vem de cynara scolymus, a variedade de alcachofra utilizada na sua formulação, junto com outras raízes e botânicos. A marca foi adquirida pela Campari em 1995. Brasil, Itália e Suíça são os principais mercados do produto.

Em 2015, foi lançado, sob a batuta de Malavasi, Cynar 70, um produto pensado em coquetelaria e com o dobro da graduação alcoólica original, o que torna seu sabor mais marcante.

Após a visita, uma sessão de harmonização com Cynar, liderada pela Alma International Training Center, seguido de leve almoço, antes da despedida.

Clique e veja as notas de degustação de Cynar por Simon Difford.

Participar do Amari Club foi uma das experiências mais ricas de minha ainda breve carreira na indústria de coquetelaria. Digo ainda mais: uma das mais memoráveis dentre todas as que vivi em meus 30 anos como profissional. Agora, também faço parte da sociedade do anel ;-)

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